quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Inferno









Quando somos crianças, o inferno não é outra coisa senão o nome do diabo posto na boca de nossos pais. Depois, essa noção se complica, e então reviramos no leito, nas intermináveis noites da adolescência, tratando de apagar as chamas que nos queimam – as chamas da imaginação! Mais tarde, quando já não nos olhamos nos espelhos porque nossos rostos começam a se parecer com o do diabo, a noção do inferno resolve-se em um temor intelectual, de maneira que, para escapar a tanta angústia, nos pomos a descrevê-lo. Já na velhice, o inferno se encontra tão à mão que o aceitamos como um mal necessário, e até deixamos ver nossa ansiedade por sofrê-lo.Mais tarde ainda (e agora, sim, estamos em suas chamas), enquanto queimamos, começamos a entrever que talvez poderíamos nos aclimatar. Passados mil anos, um diabo nos pergunta com cara circunspeta se sofremos ainda. Respondemos que a parte da rotina é muito pior que a parte do sofrimento. Por fim chega o dia em que poderíamos abandonar o inferno, mas energicamente rechaçamos tal oferecimento, pois quem renuncia a um costume querido?

( (PIÑERA, Virgílio,  Contos Frios. Tradução de Teresa Cristófani Barreto. São Paulo, Iluminuras, 1989.

Referência

2 comentários:

Organização disse...

L´enfer, c´est les autres...

Tércia Montenegro disse...

Querida C.,

Coisa boa, receber teus comentários e ler tuas postagens. Saudades, mulher! Quando puder, me manda fotos de gatos cariocas!
Beijos,
T.