quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Filosofia e Literatura



 colaboração de Marcos C. Lopes


Faz um tempo que não tomo escrever como um hábito. 

Este silêncio pode pender entre dois extremos: a ausência de palavras de quem não percebe/desvenda sentido, quem deixa de sustentar qualquer significação e a mesma incapacidade de quem esta de tal modo atrelado aos seus prórpios agoras que não consegue elaborar uma fala, se intimida ante a própria contingência. O silêncio não deixa de ser uma forma de abrir as portas para o misticismo, uma maneira de adornar uma aura de sagrado. Não é a toa que o poder da palavra se liga ao poder do sagrado em suas origens (na antiguidade ou nas tatuagens). Fazer filosofia é encenar uma das máscaras de Sócrates, é inventar para este uma vida e um sentido para sua narrativa: este, como afirma Harold Bloom, por não ter escrito será sempre o único e verdadeiro filósofo (assim como Cristo é o único e verdadeiro cristão). Pensadores como Nietzsche perceberam que com sua escrita escreviam sua biografia, transformavam sua vida e se inventavam como outros. Escrever e ler a si mesmo como outro. A possibilidade de cultivar um silêncio diferente. Exercício espiritual.
Não, não é sempre assim que acontece. Lista de itens para lavanderia, catalogos de objetos catalogáveis, identificação de cada coisa em seu lugar, etiquetar o mundo também pode ser uma forma de exercitar o absurdo. Mas exercícios espirituais pedem uma trilha diferente, uma coisa que talvez exista na oração, ou numa canção que canta um ritual (como Gilberto Gil em Se o eu quiser falar com Deus)...

Richard Rorty distingue romancistas que servem para exercícios espirituais e outros que confirmam nossas perspectivas e ampliam nosso horizonte de identificação moral com outros. Estes últimos ampliam o solo sobre nossos pés, aumentando o alcance da palavra nós, os primeiros nos retiram o chão, provocam terremotos e geram dúvida sobre nossos sentimentos e forma de nós descrever. No primeiro grupo coloca Henry James e Marcel Proust; no segundo autores como Charles Dickens. Proust e James serviriam como exercícios espirituais para redenção do egotismo, uma forma de conforto distinta da que se teria na promessa universal e eterna de Religião e Filosofia, uma redenção que afirma a contingência e ensina a finitude.
O silêncio de Sócrates tem algo de sagrado quando o percebemos conectado a uma missão religiosa que ganha voz em seu daimon.Talvez esse seja o segredo para que possa dar a sua voz uma dimensão dupla, pessoal e mística, particular, mas de alguma forma vinculada e buscando (a promessa d)o universal. O silêncio e o furor agônico de sua dialética se harmonizam, causando espanto nos que "enfrenta" e "seduz", provocando o silêncio denso de quem se confronta com suas certezas em contradição. Silêncio como si denso (que não se define). Eudaimonia, que é como diziam a felicidade plena, a realização de uma vida, é ter um bom daimon, algo externo e reconhecível publicamente. A vida de Sócrates seria de eudaimonia, Platão, Nietzsche e Proust tiveram que escrever, inventar a sua. 
Todos que tentaram seguir este modo de vida teórico enfrentaram esta mesma tensão e desafio da voz, que em sua entonação particular pretende-se universal. Nesta sagração da palavra, numa busca de iluminar todos os aspectos o silêncio é uma solução mística dos que cultivam a profundidade, a matemática seria o gancho celeste dos que querem a elevação. Matematizar o silêncio seria a epifania do niilismo. Razão= virtude = felicidade. O que hoje corresponderia aos termos dessa igualdade? Em tempos de razão comunicativa quais seriam os post(e)s que iluminariam essa highway do lugar comum? A sede do diálogo, do re-conhecimento parece mesmo ser a droga da escrita, que pode ampliar, dissolver o seu poder como exercício. Nietzsche poderia dar marteladas no twitter?
O deus da canção é o mesmo da literatura e causa sem oferecer uma razão, um salto sem a certeza do que há no outro lado. Existirmos a que será que se destina...

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