domingo, 31 de outubro de 2010

31/10/2010-Eleição para Presidente do Brasil

Reinado Arenas e a minha insônia


Arenas por David Levine
Reinaldo Arenas tem sido o personagem mais constante da minha insônia. De segunda pra terça ou de terça pra quarta, li A Rosa Velha, livro composto de duas novelas “A Rosa velha” (1966) e “Arturo, a estrela mais brilhante” (1971). Não há parágrafos, nem travessões, os diálogos estão embutidos no texto e o texto é um bloco acabado.  Em “A Rosa Velha”, a personagem Rosa é a matriarca de uma família de três filhos. Rosa, após a morte do marido, impunha sua dureza aos camponeses, na medida em que suas terras e seus filhos cresciam até o ano de 1959, quando o filho mais velho se junta aos guerrilheiros na Sierra Maestra. As preces de Rosa, ou da velha Rosa, eram acompanhadas por uma sombra, como a auréola dos santos, que a protegia de todos os males. No entanto, ao final da narrativa, a sombra se revela como delírio e maldição, mas é onde Rosa encontra o caminho para a libertação daquele tempo estranho que começava e para o qual ela era uma peça inútil. Já “Arturo, a estrela mais brilhante” é o desdobramento da vida de Rosa a partir de sua morte, ou seja, o destino dos filhos, no caso, o de Arturo, o filho mais novo, o seu preferido. Arturo se revela homossexual e é levado para os campos de concentração, conhecidos oficialmente, em Cuba, por UMAP (Unidade Militar de Ajuda à Produção), a fim de ser “reabilitado socialmente”.
Reinaldo conhecia muito bem o significado desses pontos da história cubana. Ele mesmo havia deixado a casa da mãe para se unir aos revolucionários e, mais tarde, ele também estaria nos campos de concentração para homossexuais. Ele conhecia, como ninguém, a amargura de viver perseguido, rechaçado e humilhado pelo regime revolucionário que ele havia ajudado a “triunfar”.
O interessante é que em setembro deste ano, o comandante Fidel, vestido no seu impecável pijama, fez a seguinte declaração ao correspondente americano da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg: “O comunismo como modelo econômico nunca funcionou no sentido de trazer prosperidade ao povo cubano". Claro que não pude deixar de pensar em Arenas e no que ele pensaria.
No entanto, Reinaldo tinha consciência de que a questão da liberdade não consistia em trocar de país, de regime político, ele mesmo dizia que quando se dá um chute no traseiro do comunismo você recebe aplausos, mas quando se dá um chute no traseiro do capitalismo, você é apenas um coitado berrando e gritando.
Porém, o que me assusta  é que por mais que a vida de Arenas tenha sido um " maravilhoso suicídio", como descreveu a amiga Ingrid González, a carta final de Arenas e, embora se trate de uma carta de despedida, ele pede para que tenhamos esperança na vida, mas não no sentido de “espera”, mas de encontro definitivo. C.



quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"Todos usavam vermelho no Dia de São de Sebastião "




Aldir Brasil Jr
Onibus 438,
Cadeiras Listradas,
Maria , Joana Angélica,
Bolinhos de Bacalhau,
Pretos inudam a Praça XV,
Seios que cabem uma mão,
"Fore love",
Fake,
Ar frio rejuvenesce,
ela saiu de corpo,
gelado com o Atlâtinco,
rubem braga em 30 minuitos,
atravessar a Getúlio Vargas em coração na mão,
porto-alegrina e Lésbica,
de repente, depois de 14 cervejas ela choros compulsivamente,
slow motion
falar pelos cotovelos,
a trégua,
inadimplência,
o Cinema é minha minha Igreja Dominicial,
ipanema e pelinho pubinho,
velho não sobem sem pagar,
flacidez e memória,
os alemães invandem Vila Isabel,
Prozac e pequena judia e sua leve corcunda
oswaldo com isadora,
Ná no hipódromo,
ver o Rio aos 8 anos,
estavam todos sem soutien
pequenos Lápis Faber-Castell me lembram Clarice
no meio do Samba me senti só
desci na Praça na Paz e te beijei na General Osório,
Murilio Mendes a Girafas passeiam pelo Prado Bartolomeu,
Mate Gelado enquanto enquanto espero Julia
433 o percoços de Modigliane,
Rua as Alfãndegas e putas sorrindo para passante,
A cobras espreitam Cecilia no passeio publico
Marquei com Arcos da Lapa,
aprendi alguns me Basco para te ouvido,
"Ma vie em rose "
em cores ao vivo pedir minha auto-estima,
zyklon B,
você me parece leve delicada,
cães acompanha velhos em Copacabana,
dissaram que você encontro o Pedro Nava na Vista Chinesa,
dois tiros à queima-roupa.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DE LO QUE LO TIENE UNO

Fernando de Souza


Eu tinha tanta vontade de ir à Espanha
Beijar a alma dos castelos, roubar uma espada de Toledo
Imiscuir-me en la sangre de la gente, de las calles y de la lengua
Trilhar quixotesco até o mar de Cádiz
E, fazendo-me de lança e moinho, honrar dulcineas
Mas a Espanha não me quis

Eu tinha também vontade
De fazer-me ao mar marinheiro
E apresentar-me homem diante dos ventos
E meu corpo, aos seus corpos, e meu espírito, aos seus
E, se face ao leito, tocá-lo encantado
E virar tritão, titã, leviatã
Mas o mar também não me quis
Exceto pela onda em meus pés como que me dizendo
“De mim, só tens o sal”
E o vento só me veste e me vibra um frio de ostra morta

Também tinha vontade de prender-me à terra
E criar raízes como a mangueira
E, telúrico, tirar da matéria a matéria para também ser terra, rocha, húmus e cachoeira
Numa casa pequena e amarela de porta e janela
E num quintal sem fronteira, de onde partisse o mundo
Mas a terra me tem outros planos

Quis muito; tive outros muitos

Tive desertos entre as gentes e mares ilhando-as
Malgrado seus olhos, que nunca me deixaram de atingir

Tive uma pátria vastíssima, mas idioletal
Onde era povo e rei, nuca e guilhotina

Tive jardins, tive céus abertos, tive chuvas, ventos, ondas, relâmpagos, trovões
Tive o chão e tive o peixe, tive a terra firme e cheia de saudade
Tive o cansaço da vida e o medo da morte
E tive a mim, tendo eu a possibilidade de não ter tido

Mas não tive a Espanha, não tive o mar e não tive a terra
Esses restam longe, muito além das sombras de minhas mãos
Num intermédio vago entre mim e aquilo que temo


Referênciahttp://osilencioentreaspalavras.blogspot.com/2010/10/de-lo-que-lo-tiene-uno.html

Meus Livros

Ana Miranda*

 Foto: Adriana Vichi

Existe em minha cabeça uma estranha geografia que se refere ao mundo em torno de mim, um mundo físico mas de significados infinitos, essa geografia surgiu do meu hábito de viver trancada com meus livros, esses livros dispostos numa serena ordem um ao lado do outro representam a minha mente como um mapa a um país, se fecho os olhos as prateleiras de livros se acendem dentro de minha cabeça como se minha cabeça fosse também um aposento forrado de estantes de livros em que cada um deles é uma porta para um mundo, todos são posicionados de acordo com um sistema lógico, se me recordo de um desses livros meu olhar vai diretamente ao lugar em que se encontra, raras vezes algum se perde mas quando acontece caio numa espécie de desespero, basta olhar à distância um deles para receber sua influência, uma secreta ligação, feito as ondas do mar em relação à lua, às vezes sinto um apelo irresistível como se um deles me chamasse e, seja quando for, levanto da cadeira, retiro o livro da estante e folheio para ouvir o que tem a dizer, esses livros determinam meus sentimentos, meu entendimento do mundo, são o mapa de minha alma, cada um representa uma região, um lugar onde estive e onde ainda estou, há entre eles os meus preferidos, ficam separados numa das prateleiras, rabiscados desde a primeira página, onde se encontram palavras manuscritas, lembranças, ideias, pétalas secas, madeixas, preces, são meus livros, mas tenho sempre a sensação de que não me pertencem, sou dona deles mas apenas uma pequena e frágil conexão entre um e outro tempo, vivo trancada numa sala onde livros vivos sorriem, choram, zombam, ensinam, atraiçoam, respiram, livros que passam de papel para papel, às vezes sou tomada de uma tristeza por não saber o que lhes acontecerá depois da minha morte, mas sei que eles, como as pessoas, têm seu destino, alguns meu filho levará, outros, um neto, outros ainda serão vendidos num sebo, com meu nome, bilhetes, segredos, receitas, folhas de outono, gotas de café, que tornarão triste um leitor sensível, os demais deixarei de lembrança para amigos, mas todos existirão mais do que eu, uns existirão eternamente.
 *In Literatura em minha casa - Vol. 2 Crônica e conto, São Paulo: Companhia das Letras.

sábado, 23 de outubro de 2010

Os gatos de C.

C.por C.
Em 2009 ganhei o Prêmio de Contos Unifor, da Universidade de Fortaleza, na categoria "trabalho inédito" com o conto "O Gato de Alice". Tinha escrito esse trabalho para o blogue oquedizemsobreela que eu escrevia em conjunto com o amigo Marco Antonov (Marco Ribeiro). Porém, o concurso apareceu e, como eu não tinha nenhum outro trabalho novo, sacrifiquei o blog, ou seja, o conto não foi ao ar. Era a segunda vez que Marco me dava sorte, a primeira, foi em 2003 com o conto "2003:Carmina" ganhador do Prêmio Domingos Olímpio, em Sobral, minha cidade, mas que só foi publicado no meu livro de contos Eu  Vou Esquecer Você em Paris, ganhador do prêmio SECULT em 2006. 
E hoje estou aqui (RJ), espiando os gatos pela janela, nas casas, nos parques, sentindo falta dos meus que ficaram longe, bem longe.


C.

O GATO DE ALICE


É inevitável — disse o gato —somos todos loucos aqui.
(Fala do Gato de Cheshire in Alice no País das Maravilhas).

“Este imóvel já vem com um gato”, disse-nos o corretor. Andei pelos cômodos vazios à procura, nem sombra do tal felino. Não gostava de gatos, mas o apartamento era barato e bem localizado, portanto, não havia muito que especular. Talvez o animal nem desse pela nossa existência, meu marido e eu voltávamos tarde do trabalho. Além do gato havia também, na sala, uma poltrona velha que, por ser rara, não nos desfizemos.
Alice e o Gato de Cheshire 
Três dias depois, acordei com o cesto de roupa limpa impregnado de pêlos, a dispensa e o lixo revirados. Cada acordar, uma surpresa: a sala destruída, o armário arranhado, um jarro quebrado, dejetos sobre o sofá. Resolvemos caçá-lo, mas o senhor do 203 advertiu-nos que seria impossível. Os vizinhos do condomínio tinham a vaga lembrança de um gato nos braços da antiga proprietária deste apartamento (103, bloco dos fundos) — “uma  mulher branca de cabelos escuros: a mulher mais branca do mundo” — observaram.
Ruídos. Barulho de panelas. Cacos. Ele sabia que procurávamos por ele. Do quarto, escutávamos o arfar de um bicho cansado farejando a nossa porta. Não poderia ser apenas um gato. Em vão, tentamos ludibriá-lo com o melhor leite, a melhor ração, o melhor bife. Tudo amanhecia intacto. Adivinhava nossa armadilha. Em vão também, telefonávamos à imobiliária. Burocracia. Dificuldades. Suplicamos pelo menos o endereço ou o telefone da antiga moradora, a dona do animal. Nada sabiam sobre ela. Sentíamo-nos como reféns daquele “bicho invisível”.
Inesperadamente, recebemos a visita do corretor que nos vendeu o apartamento. Mostrou-nos uma foto dela que havia encontrado no chão do quarto onde foi a biblioteca. O retrato, provavelmente, recortado, faltava-lhe uma das mãos. Disse tê-la visto apenas uma vez, no dia da entrega da chave, sentada, com o gato no colo, naquela poltrona velha, enquanto todo resto se fazia vazio.
Às três da manhã, levantei-me a fim de esperá-lo. Atrás do sofá, enxerguei-o no centro da sala. Era realmente um gato a mirar a poltrona. Diabolicamente, possuía as garras muito longas e um número enorme de dentes como se sorrisse. Sentiu minha presença. E, por saber-me, lançava-me o desafio da imobilidade, permanecendo paralisado quase até o amanhecer, quando partiu. Corri para avisar meu marido.
Ainda atordoados, em meio ao café da manhã, a campainha tocou. Era ela, a mulher mais branca do mundo, num vestido verde, segurando nos braços o monstruoso gato sorridente. Sem que oferecêssemos, entraram. Sentaram-se em seu antigo lugar. E, quando o bicho saltou-lhe aos pés, percebemos que, de fato, ela não possuía a mão esquerda. Calada, permaneceu ali, por mais de uma hora, não falou a que veio, nem o que queria de nós.
C.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pausa para retratos de blogue

Fotos de blogue, embora haja exceções,  parecem sempre misteriosas, com efeitos de luz, olhares enigmáticos, recortes. Sinto-me desnuda, com a cara a tapa, aqui, no meu profile. Realmente, não entendo o porquê do mistério, se postamos nossos gostos, nossas preferências, angústias pessoais (alguns), opinião política, sexual, religiosa, filosófica! Aí, quando olhamos a cara do sujeito, vemos um olho, uma porta entreaberta, uma sombra, uma boca. Pode ser autoproteção ou fetiche, quem sabe, vaidade mesmo, o que não falta neste mundo é tara e vaidade...  
Eu também tenho minhas manias, mas de outra forma, por exemplo, acho que uma fotografia transmite a minha imagem só por um determinado tempo, depois, embora com apenas poucos  dias de exposição cibernética, é hora de me registrar novamente.
Tenho algumas fotos bloguísticas  para repensar a do meu profile. Porém, tenho a consciência   de que uma foto sozinha não faz o conteúdo de um post.

Autoretrato de 2006/07 com arte do amigo Marco Ribeiro, que me faz uma falta...
 
De abril deste ano, tirada pela minha mãe, acho que fiquei com cara de blogueira...

Primeira foto do blog, meu autoretrato tirado no dia  do meu aniversário  deste ano.
Por fim, meu retrato mais famoso, da minha encarnação passada, pintado por ninguém menos que Renoir!


Ficam aqui minhas opções, quem sabe alguma nova aparece.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Os Rabiscos de Débora e uma biografia invejável

 Débora Vaz sobre a questão do Estado laico


Sou fã dos  "rabiscos" da Débora Vaz. Conheci a Débora quando  frequentava  a casa de seus ilustres pais, o Ademir e a Luísa, para as reuniões do Movimento Porparque, entre 2008/2009, acho. A gente nunca conversou, nossas palavras não foram mais que formalidades,  talvez pela minha timidez. Porém, um dia,  fuçando do orkut da Débora, achei-lhe o texto de apresentação de uma originalidade sem par, ela ficcionava sua trajetória de vida com muito humor, se colocando entre as estrelas do Hollywood, achei muito bacana e muito bem escrito. Agora ela aparece com seus "rabiscos" inteligentíssimos. Este embaixo é o meu preferido, mas no blog tem mais, além das críticas bem críticas que ela escreve: http://rabiscosdadebora.blogspot.com/

Débora sobre a disputa presidencial (meu preferido)

 BIOGRAFIA 


Débora por Débora
Débora Vaz Costa (Fortaleza, Brasil, 21 de outubro de 1988) é uma importante socióloga, antropóloga, psicóloga, sexóloga, desenhista, atriz, cantora, apresentadora de TV e cientista política. Destacou-se produzindo importantes obras de arte, sobretudo caricaturas de seus colegas e professores dos tempos de colégio e faculdade, além de também ilustrar de forma satírica e profanadora ícones da cena política local e nacional, bem como celebridades do meio artístico de um modo geral. Em seu trabalho como socióloga, concebeu importantes análises sobre o comportamento etílico dos estudantes de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE); realizou pesquisas reveladoras sobre a vida social de homossexuais enrustidos prestes a sair do armário e também sobre pseudo-revolucionários grevistas do meio acadêmico da referida universidade. Militante da causa ambiental, participou ativamente na luta pela preservação dos ursos polares e dos veados da Patagônia.

Defendeu opiniões polêmicas, como a inclusão de profissionais de Veterinária no Programa Saúde da Família e a criação do Bolsa Cerveja, que daria auxílio àqueles que gostam de beber umas no boteco do lado e nem sempre podem arcar com suas próprias despezas.

Como atriz, protagonizou diversas novelas mexicanas durante a década de 1990, sendo agraciada posteriormente com um Emmy pelo conjunto de sua obra. A carreira durou pouco — em virtude da rotina cansativa e da falta de perspectivas neste mercado, Débora deixa de atuar em 1997. Neste mesmo ano lança-se como cantora e compositora de músicas de elevador, tendo vendido cerca de 75 milhões de cópias de seus dois álbuns. Ainda pegando onda em seu sucesso como multiartista, Débora conquista o posto de apresentadora de um programa de culinária libanesa na emissora de TV árabe Al Jazeera. As aparições são um show a parte, chamando a atenção de toda a mídia mundial. Artistas de todo o mundo brigam para serem convidados ao programa de Débora e cria-se um verdadeiro culto à apresentadora — é o período da chamada "deboramania". Cansada do assédio dos fãs e da imprensa, Débora viaja para a Índia em 2001, só retornando ao Brasil no ano seguinte. Influenciada pela doutrina budista, decide se dedicar a trabalhos voluntários em suas diversas ONGs. Além disso, torna-se professora catedrática de três importantes universidades, dando aulas de Sociologia e Antropologia e realizando pesquisas acadêmicas.

Recentemente começou a trabalhar como psicóloga de butequins, bares onde existem mesas de sinuca e boates, tendo ajudado diversas pessoas a superarem dores de cotovelo e crises existenciais, além de levantar a autoestima e o amor próprio de tais pessoas. Sobre a vida pessoal de Débora pouco se sabe, mas especula-se que ela tenha servido de inspiração para músicas de artistas como Ana Carolina, Ney Matogrosso e o grupo Cansei de Ser Sexy. Atualmente ela mora numa casa confortável em um prosaico bairro, na mesma cidade em que nasceu.
Texto retirado de: http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=15069346100873940354


C.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Inferno









Quando somos crianças, o inferno não é outra coisa senão o nome do diabo posto na boca de nossos pais. Depois, essa noção se complica, e então reviramos no leito, nas intermináveis noites da adolescência, tratando de apagar as chamas que nos queimam – as chamas da imaginação! Mais tarde, quando já não nos olhamos nos espelhos porque nossos rostos começam a se parecer com o do diabo, a noção do inferno resolve-se em um temor intelectual, de maneira que, para escapar a tanta angústia, nos pomos a descrevê-lo. Já na velhice, o inferno se encontra tão à mão que o aceitamos como um mal necessário, e até deixamos ver nossa ansiedade por sofrê-lo.Mais tarde ainda (e agora, sim, estamos em suas chamas), enquanto queimamos, começamos a entrever que talvez poderíamos nos aclimatar. Passados mil anos, um diabo nos pergunta com cara circunspeta se sofremos ainda. Respondemos que a parte da rotina é muito pior que a parte do sofrimento. Por fim chega o dia em que poderíamos abandonar o inferno, mas energicamente rechaçamos tal oferecimento, pois quem renuncia a um costume querido?

( (PIÑERA, Virgílio,  Contos Frios. Tradução de Teresa Cristófani Barreto. São Paulo, Iluminuras, 1989.

Referência

Filosofia e Literatura



 colaboração de Marcos C. Lopes


Faz um tempo que não tomo escrever como um hábito. 

Este silêncio pode pender entre dois extremos: a ausência de palavras de quem não percebe/desvenda sentido, quem deixa de sustentar qualquer significação e a mesma incapacidade de quem esta de tal modo atrelado aos seus prórpios agoras que não consegue elaborar uma fala, se intimida ante a própria contingência. O silêncio não deixa de ser uma forma de abrir as portas para o misticismo, uma maneira de adornar uma aura de sagrado. Não é a toa que o poder da palavra se liga ao poder do sagrado em suas origens (na antiguidade ou nas tatuagens). Fazer filosofia é encenar uma das máscaras de Sócrates, é inventar para este uma vida e um sentido para sua narrativa: este, como afirma Harold Bloom, por não ter escrito será sempre o único e verdadeiro filósofo (assim como Cristo é o único e verdadeiro cristão). Pensadores como Nietzsche perceberam que com sua escrita escreviam sua biografia, transformavam sua vida e se inventavam como outros. Escrever e ler a si mesmo como outro. A possibilidade de cultivar um silêncio diferente. Exercício espiritual.
Não, não é sempre assim que acontece. Lista de itens para lavanderia, catalogos de objetos catalogáveis, identificação de cada coisa em seu lugar, etiquetar o mundo também pode ser uma forma de exercitar o absurdo. Mas exercícios espirituais pedem uma trilha diferente, uma coisa que talvez exista na oração, ou numa canção que canta um ritual (como Gilberto Gil em Se o eu quiser falar com Deus)...

Richard Rorty distingue romancistas que servem para exercícios espirituais e outros que confirmam nossas perspectivas e ampliam nosso horizonte de identificação moral com outros. Estes últimos ampliam o solo sobre nossos pés, aumentando o alcance da palavra nós, os primeiros nos retiram o chão, provocam terremotos e geram dúvida sobre nossos sentimentos e forma de nós descrever. No primeiro grupo coloca Henry James e Marcel Proust; no segundo autores como Charles Dickens. Proust e James serviriam como exercícios espirituais para redenção do egotismo, uma forma de conforto distinta da que se teria na promessa universal e eterna de Religião e Filosofia, uma redenção que afirma a contingência e ensina a finitude.
O silêncio de Sócrates tem algo de sagrado quando o percebemos conectado a uma missão religiosa que ganha voz em seu daimon.Talvez esse seja o segredo para que possa dar a sua voz uma dimensão dupla, pessoal e mística, particular, mas de alguma forma vinculada e buscando (a promessa d)o universal. O silêncio e o furor agônico de sua dialética se harmonizam, causando espanto nos que "enfrenta" e "seduz", provocando o silêncio denso de quem se confronta com suas certezas em contradição. Silêncio como si denso (que não se define). Eudaimonia, que é como diziam a felicidade plena, a realização de uma vida, é ter um bom daimon, algo externo e reconhecível publicamente. A vida de Sócrates seria de eudaimonia, Platão, Nietzsche e Proust tiveram que escrever, inventar a sua. 
Todos que tentaram seguir este modo de vida teórico enfrentaram esta mesma tensão e desafio da voz, que em sua entonação particular pretende-se universal. Nesta sagração da palavra, numa busca de iluminar todos os aspectos o silêncio é uma solução mística dos que cultivam a profundidade, a matemática seria o gancho celeste dos que querem a elevação. Matematizar o silêncio seria a epifania do niilismo. Razão= virtude = felicidade. O que hoje corresponderia aos termos dessa igualdade? Em tempos de razão comunicativa quais seriam os post(e)s que iluminariam essa highway do lugar comum? A sede do diálogo, do re-conhecimento parece mesmo ser a droga da escrita, que pode ampliar, dissolver o seu poder como exercício. Nietzsche poderia dar marteladas no twitter?
O deus da canção é o mesmo da literatura e causa sem oferecer uma razão, um salto sem a certeza do que há no outro lado. Existirmos a que será que se destina...

sábado, 9 de outubro de 2010

Galerias

Saara- Centro do Rio





Aldir Brasil

Pequeníssimas bonecas chinesas nos espreitam em meio a loterias.
Incensos de canela esperam fraternalmente por moças com leves traços indígenas. 
O profeta Isaías anuncia o fim das remarcações. 

Edineuda vende musseline, linho, tricoline, feltro e raízes medicinais.

domingo, 3 de outubro de 2010

C. em busca de outras janelas.

Visão da minha janela, 7º andar-RJ



Estarei em  um congresso  em Águas de Lindóia-SP. Este recanto ficará sob os cuidados da atarefada  Lym. Volto na próxima semana, dia 07 de outubro.  Beijo!
C.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

#PenseBem - 2: o Mijão.

Legenda: O Mijão.
-
Se para Lula, Dilma é a "Mãe do Brasil",
(infelizmente) quando ela for eleita,
os brasileiros serão literalmente filhos da "mãe".
Ou da puta.

#PenseBem - 1

Um grilo é mais importante do que um navio...
Isso do ponto de vista do grilo.=~

Rainaldo Arenas



Na busca por imagens do escritor Reinaldo Arenas, encontrei num blog essa charge, porém sem referência, nem do blog nem do autor da charge. Creio que o próprio Arenas teria suas restrições. Em Antes que Anoiteça, ele confessa:
Arenas, el traidor
"Em Cuba, quando se ia a um clube ou uma praia, não havia uma parte específica para homossexuais. Todo mundo compartilhava tudo junto, não havia uma divisão que colocasse o homossexual numa posição de militante.. Isso se perdeu nas sociedades mais civilizadas [...]. A militância homossexual tem conquistado direitos excelentes para os homossexuais do mundo livre, mas quebrou o encanto maravilhoso..."
Arenas, cuja ânsia de liberdade, talvez lhe tenha  provocado a morte, foi tido como "traidor" pelo regime de Fidel, como ele mesmo brinca na foto ao lado, tanto que o comandante o obrigou,  como um castigo severo, a vivir para simpre en la isla.  Mas, em 1980,  Arenas falsificou os documentos, embarcando para os Estados Unidos, onde morreria dez anos depois.
C.

Epitáfio para um Infante Defunto



Guillermo  Cabrera Inf
Depois da cinematográfica queda do comandante disseram-me que nada o aborrecia mais do que as croniquetas semanais do Infante Defunto no diário “El País”.
Feito um genial Voltaire mestiço, aliado aos maricones Virgílio Piñera e Lezama Lima eles reinventaram a Literatura cubana e a tornaram Universal. Ousaram lançar ao mar da minúscula ilha a linda “Orígenes”, com direito a traduções do Proust.
A escrita do Infante, permeada de um delicado humor e de jogos verbais foi capaz de desafiar os fuzis soviéticos de segunda mão contrabandeados pelo comandante. Holly Smoke, quem diria.
Nos precoces anos da Gloriosa Revolução cubana, Piñera em seu esquálido corpo em pele-e-ossos afirmou em alto e bom som que tinha um estranho medo, um ligeiro pressentimento. Foi imolado vivo, devido ao discreto “A Carne de Renée.”
O Infante Defunto, olhos miúdos ao relento, munido de um quase-septuagenário cavanhaque levou o prêmio Cervantes para casa, para desgosto dos esquerdistas d´além mar. Enquanto o Garcia Márquez fazia mesuras ao comandante e apostava em um Realismo Fantástico que encantava os editores da Feira de Frankfurt, o Infante Defunto redescobria joycianamente a Havana vieja em seus cines, malecons, negros estivadores, falcões malteses, lilians helmanns e travestis americanos. 
No final dos cinqüenta os rapazes Barbados desceram a Sierra Maestra e humilharam o pequeno comerciante de especiarias na pequenina Gibara, bem próximo o Infante estava mergulhado em “Moby-Dick”. O encanto foi perdido depois que o Marciano Lopes o encontrou para um ligeiro até breve na Galeria Lafayette para trocarem memórias e carteles . Depois de uma saudação cordial, o Infante partiu desta para melhor, para alegria do comandante e de seus diletos discípulos. Dirigindo-se ao Lopes, antes de ser arrebatado aos céus por onze mil virgens, sentenciou:
- Lana Turner desabou sobre todos nós.



Aldir Brasil Jr




Aldir Brasil Junior (1964).

Aldir Chaves Brasil Junior nasceu em Fortaleza, CE.
Doutor em Matemática pela Universidade de São Paulo, é professor da Universidade Federal do Ceará.Tem poemas e contos publicados no site Fortaleza Voadora, do escritor e tradutor Ruy Vasconcelos, e na revista Caos Portátil.
  Inédito em livro